Especialista destaca influência da mente no controle de efeitos colaterais e emoções; de acordo com a OMNI Brasil – Hypnosis Training Center, 119 mil brasileiros já utilizaram método
Há mais de 200 anos utilizada na medicina, a hipnose deixou de ser apenas uma atração de shows ou programas de televisão para ser uma técnica empregada nos consultórios em prol da saúde. A terapia ficou conhecida como hipnose clínica e vem conquistando espaço devido à eficácia demostrada por inúmeros estudos científicos publicados nos últimos 20 anos.
Na oncologia, a hipnoterapia é uma abordagem complementar que ajuda os pacientes a enfrentarem melhor os efeitos colaterais do tratamento e da doença. Usando a mente, a hipnose colabora para diminuição de dores, fobias, náuseas e vômitos, além de contribuir com os aspectos emocionais que se afloram com a notícia do diagnóstico.
Em entrevista, o médico especialista em gastroenterologia cirúrgica e hipnoterapeuta da Oncomed, Alberto Bicudo, explica como funciona a hipnose clínica, benefícios e o poder da mente no tratamento do câncer.
1. Muitas pessoas estão acostumadas com a hipnose retratada em programas de televisão, com pessoas com a sensação de que as mãos ficaram coladas ou que estão saboreando uma cebola como se fosse uma maçã. Mas essa atração do entretenimento agora também é utilizada dentro dos consultórios médicos. Como explicar isso ao paciente oncológico?
Alberto Bicudo: A hipnose é uma ferramenta utilizada na medicina há mais de 200 anos. No Brasil e nos Estados Unidos, ela ficou “adormecida” ao logo de boa parte do século passado e foi resgatada do cenário psicoterápico com os avanços da neurociência. No Brasil, a hipnose ficou conhecida por meio dos shows, mas a técnica também pode ser útil para tratar problemas de saúde, como o câncer. Na hipnose clínica, podemos trabalhar a atenção do paciente para desviar o foco da dor. Também podemos utilizá-la para o paciente oncológico se alimentar melhor ou ter menos náuseas e vômitos. A hipnose clínica é usada como uma técnica complementar no tratamento do câncer. Ela não vai substituir nenhum outro tipo de tratamento do processo em busca da cura. A hipnoterapia vai entrar como uma ferramenta a mais em prol do paciente e com a vantagem de não ter efeitos colaterais. É importante lembrar que tudo isso é validado por vários estudos científicos, que mostram que a hipnose é uma técnica que funciona. Só basta o paciente querer passar pela experiência.
2. Os estudos sobre o uso da hipnose para aliviar dores começaram na década de 50. Dados coletados pela OMNI Brasil – Hypnosis Training Center – apontam que 119 mil brasileiros já utilizaram a hipnose clínica como método de tratamento. Quando a hipnoterapia é recomendada para pacientes oncológicos e quais são os benefícios dela?
Alberto Bicudo: A hipnose clínica pode ser aplicada desde o início do tratamento contra o câncer. Quanto mais cedo usar a técnica, melhor vai ser para o paciente. Todos os sintomas físicos podem ser diminuídos através do uso de técnicas hipnóticas, como dores, transtornos alimentares, náusea e vômitos. Ela também pode ajudar nas questões psicológicas. A hipnoterapia é um complemento importante para o tratamento de depressão, ansiedade ou fobias. Já tratei pacientes com fobia a radioterapia, que não conseguiam entrar na máquina para fazer o procedimento. Também já tratei pacientes com fobia de agulhas, que não conseguiam passar pelas sessões de quimioterapia. Então, existe um universo de sintomas físicos e emocionais que pode ser tratado pela hipnose clínica.
3. Qualquer paciente pode fazer a hipnoterapia?
Alberto Bicudo: Para se fazer um tratamento por hipnose é necessário a comunicação. Na sessão, o paciente precisa estar totalmente consciente. Ele vai se comunicar o tempo todo com o terapeuta. Não tem como tratar uma pessoa que se encontra em coma, por exemplo. Também não tem como fazer a hipnose clínica em uma criança que ainda não se comunica ou num paciente em um quadro demencial avançado. Por outro lado, se o paciente se comunica por meio de gestos ou pela fala e deseja seguir as instruções da auto-hipnose, é possível aplicar o tratamento.
4. Câncer é um termo que abrange mais de 100 diferentes tipos de doenças malignas. Para o tratamento de cada uma delas é recomendado sessões de radioterapia, quimioterapia e medicamentos. Os pacientes em hipnose clínica precisam continuar tomando os remédios, indo às consultas e sessões? Quanto tempo dura o tratamento?
Alberto Bicudo: A hipnose clínica é um tratamento complementar. Os medicamentos para o câncer devem ser mantidos normalmente. Eventualmente, pode ocorrer a redução das medicações sintomáticas para diminuir a dose de algum analgésico ou algum remédio para vômito, por exemplo. Pode também melhorar a qualidade do sono do paciente. Contudo, a pessoa vai continuar fazendo o tratamento quimioterápico e radioterápico, e vai usar a hipnose como um complemento, melhorando os sintomas inerentes à doença. Outro ponto que vale ressaltar é que muitos pacientes com câncer trazem questões emocionais da vida para o tratamento oncológico e a hipnose acaba sendo uma boa maneira para aprender a lidar com elas. Mas não quer dizer que o paciente não vá precisar da ajuda de um psicólogo e, eventualmente, de um psiquiatra. Vamos trabalhar em conjunto. Uma técnica não exclui a outra. A duração do tratamento depende muito daquilo que vai ser tratado. Ele é apresentado na forma de um protocolo e a duração é, em média, de cinco a oito sessões, de uma hora e meia cada.
5. Receber o diagnóstico de câncer mexe com a vida não só do paciente, mas também dos familiares, amigos e de todos que o cerca. A mente vira um “turbilhão” de emoções. Qual a importância de cuidar do corpo e da mente durante a batalha contra a doença?
Alberto Bicudo: A atitude do paciente perante o tratamento oncológico faz toda a diferença. A mente influencia diretamente nos processos físicos. Se o paciente tiver uma atitude mental melhor e conseguir sintonizar o psicológico em prol dos seus objetivos, o tratamento terá mais sucesso. Sempre tomamos conhecimento de pessoas que se entregaram para a doença e faleceram rapidamente. Em contrapartida, outras que estavam com diagnóstico bem avançado, mas que lutaram e não deixaram se abater, tiveram resultados bem melhores. O meu papel é ajudar essas pessoas que não estão dando conta de fazer isso sozinhas. É promover técnicas para que elas encontrem as respostas dentro de si mesmas. O paciente é autor da sua cura. Falamos muito isso dentro da hipnose. Ele deixa de ser uma figura passiva para encontrar, dentro de si mesmo, o equilíbrio que precisa.